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Channel: um velho mundo
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A suave pantera

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[...] *

A fome de um bicho
– e mais se é pantera,
não tem o limite
que em gente tivera.

Não é como a fome
violenta, direta,
subjetiva, do homem,
a fome da fera.
A fome de um bicho
é cruel e eterna,

e toda inconsciente,
com uma força interna.
É fome indistinta
espalhada nela,
com íntima fúria
que ela não governa.

A liberdade da pantera
está justamente nisto:
que nem ela se governa,

e o que sucede é imprevisto.
Essa a vantagem da fera:
uma força que ela abriga,
inconsciente, dentro dela
– sob a aparência tranqüila –
e de repente se revela,

mas uma espécie de fúria,
que atinge inclusive a ela,
mas numa espécie de luta,
que é o modo que tem a cólera
de mostrar-se numa fera,
e que é a sua única forma
de ser pura, além de bela.


Além de precisa é ubíqua,
outra vantagem mais forte.
Por toda parte é sensível
sua graça, como um broche,
ou como coisa pousada
e em si mesma repentina:
os olhos onde violetas
cobram cores agressivas,
a cauda suspensa e lisa
como nuvem sossegada,
não solta, não qualquer nuvem,
nuvem presa como uma asa,
o corpo todo concreto,
todo animal, perecível,
e mais uma ânsia por dentro,
de ser livre, livre, livre.


Marly de Oliveira, 1960 [1]


* Leia completo: A suave pantera
1. Marly de Oliveira (1935-2007), poetisa de Cachoeiro de Itapemirim - ES. Professora de língua e literatura italiana, e literatura hispano-americana. Vencedora do Prêmio Jabuti de 1998. E ex-mulher de João Cabral de Melo Neto.

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